quinta-feira, 19 de novembro de 2009

O Mercantilismo como Conjunto de Ideias Económicas

Quase todos os economistas europeus dentre 1500 e 1750 são considerados actualmente como mercantilistas. Contudo, estes autores não se consideravam partícipes de uma única ideologia económica, senão que o término foi cunhado por Vitor Riquetti, Marquês de Mirabeau em 1763, e popularizado por Adam Smith em 1776. De facto, Adam Smith foi a primeira pessoa em organizar formalmente muitas das contribuições dos mercantilistas no seu livro A Riqueza das Nações.

O termo Mercantilismo foi criado pelo economista Adam Smith em 1776, a partir da palavra latina mercari, que significa "gerir um comércio", de mercadorias ou produtos. De início foi usado apenas por críticos, como Mirabeau e o próprio Smith, mas foi pronto adoptada pelos historiadores.

O mercantilismo em si não pode ser considerado como uma teoria unificada de economia. Na realidade não houve escritores mercantilistas que apresentassem um esquema geral do que seria uma economia ideal, tal qual Adam Smith faria mais adiante para a economia clássica. No seu lugar, o escritor mercantilista tendia a focar a sua atenção numa área específica da economia. Seria após o período mercantilista que os estudiosos posteriores integrariam as diversas ideias no que chamariam mercantilismo, como por exemplo Eli F. Heckscher que vê nos escritos da época ao mesmo tempo um sistema de poder político, um sistema de regulamentação da actividade económica, um sistema proteccionista, bem como um sistema monetário com a teoria da balança comercial. Contudo, alguns teóricos recusam completamente a ideia mesma de uma teoria mercantilista, argumentando que dá "uma falsa unidade a fatos díspares". O historiador do pensamento económico Mark Blaug faz notar que o mercantilismo foi qualificado posteriormente como "molesta bagagem", "diversão de historiografia", e de "gigantesco globo teórico".

Até certo ponto, a doutrina mercantilista em si mesma fazia impossível a existência de uma teoria geral económica. Os mercantilistas viam o sistema económico como um jogo de soma zero, onde a ganância de uma das partes supunha a perda da outra, ou seguindo a famosa máxima de Jean Bodin "não há nada que alguém ganhe que outrem não perda".Portanto, qualquer sistema de políticas que beneficiassem a um grupo por definição também faria dano a outro ou outros, e não existia a possibilidade de a economia ser empregue para maximizar a riqueza comum, ou o bem comum. Parece que os escritos dos mercantilistas fizeram para justificar a posteriori uma série de práticas, mais do que para avaliar o seu impacto e determinar assim o melhor jeito de levá-las a termo.

O mercantilismo é, portanto, uma doutrina ou política económica que aparece num período intervencionista e descreve um credo económico que prevaleceu à época de nascimento do capitalismo, antes da Industrial

As primeiras teorias mercantilistas desenvolvidas a princípios do Século XVI estiveram pontuadas pelo bullionismo (do inglês bullion: ouro em lingotes). A esse respeito, Adam Smith escrevia:

"A dupla função que cumpre o Dinheiro, como instrumento de comércio e como medida dos valores, fez com que se produza de jeito natural essa ideia popular de que o Dinheiro faz a riqueza, ou que a riqueza consiste na abundância de ouro e prata […]. Razoa-se do mesmo jeito com referência a um país. Um país rico é aquele no que abunda o dinheiro, e o meio mais simples de enriquecer o seu, é amassar o ouro e a prata […]. Devido ao crescente sucesso destas ideias, as diferentes nações da Europa dedicaram-se, embora sem sucesso suficiente, a buscar e acumular ouro e prata de todas as maneiras possíveis. Espanha e Portugal, possuidoras das principais minas que provêm à Europa desses metais, proibiram a sua exportação ameaçando com graves represálias, ou submeteram-na a enormes taxas. Esta mesma proibição fez parte da política da maioria das nações da Europa. É encontrada mesmo onde menos se aguardaria, em algumas antigas atas do parlamento da Escócia, que proíbem, sob fortes penas, transportar ouro e prata fora do reino. A mesma política pôs-se em prática na França e na Inglaterra "






Durante esse período, importantes quantidades de ouro e prata fluíam desde as colónias espanholas do Novo Mundo para a Europa. Para os escritores bullionistas, como Jean Bodin ou Thomas Gresham, a riqueza e o poder do Estado medem-se pela quantidade de ouro que possuem. Cada nação deve, pois, acrescentar as suas reservas de ouro à custa das demais nações para fazer crescer o seu poder. A prosperidade de um Estado mede-se, segundo os bullionistas, pela riqueza acumulada pelo governo, sem mencionar a Renda Nacional. Este interesse para as reservas de ouro e prata é explicado em parte pela importância dessas matérias-primas na época de guerra. Os exércitos, que contavam com muitos mercenários, eram pagos com ouro e excepto os poucos países europeus que controlavam as minas de ouro e prata, a principal maneira de obter essas matérias-primas era o comércio internacional. Se um Estado exportava mais do que importava, a sua "balança do comércio" (o que corresponde actualmente à balança comercial) era excedentária, o qual se traduzia numa entrada neta de dinheiro.


Isto levou os mercantilistas a propor como objectivo económico o de ter um excedente comercial. Era estritamente proibida a exportação de ouro. Os bullionistas também eram partidários de altas taxas de juros para animar os investidores a investir o seu dinheiro no país.

No Século XVIII foi desenvolvida uma versão mais elaborada das ideias mercantilistas, que recusava a visão simplista do bullionismo. Esses escritores, como Thomas Mun, situavam como principal objectivo o crescimento da riqueza nacional, e embora continuavam considerando que o ouro era a riqueza principal, admitiam que existiam outras fontes de riqueza, como as mercadorias.
"(…) Não é a grande quantidade de ouro e prata o que constitui a verdadeira riqueza de um Estado, já que no mundo há países muito grandes que contam com abundância de ouro e prata, e que não se encontram mais cómodos, nem são mais felizes […]. A verdadeira riqueza de um Reino consiste na abundância das Mercancias, cujo uso é tão necessário para o sustento da vida dos homens, que não podem passar delas"

O objectivo de uma balança comercial excedentária continuava a ser perseguido, mas desde esse momento era visto interessante importar mercadorias da Ásia por meio de ouro para revender depois esses bens no mercado europeu com importantes benefícios
"E para deixar a coisa ainda mais clara, quando dizemos […] que 100.000 livras exportadas em efectivo podem servir para importar o equivalente aproximado de 500.000 livras esterlinas em mercadorias das Índias Orientais, há que entender que a parte dessa soma que pode chamar-se com propriedade a nossa importação, ao ser consumida no reino, tem um valor de umas 120.000 livras esterlinas anuais. De maneira que o resto, é dizer 380.000 livras, é mercadoria exportada ao estrangeiro sob a forma do nossos tecidos, o nosso chumbo, o nosso estanho, ou de qualquer outro produto do nosso país, com grande aumento do património do reino e isso no tesouro, pelo qual podemos concluir que o comércio das Índias Orientais prove a esse fim."



Esta nova visão recusava a partir desse momento a exportação de matérias-primas, que uma vez transformadas em bens finais constituíam uma importante fonte de riqueza. Enquanto o bullionismo favorecera a exportação massiva de lã de Grã-Bretanha, a nova geração de mercantilistas apoiava a proibição total de exportar matérias-primas e propugnava o desenvolvimento de indústrias manufactureiras domésticas. Ao precisar as indústrias importantes capitais, no Século XVIII houve uma redução das limitações contra a usura. Como muito bem demonstrou William Petty, a taxa de interesse vê-se como uma compensação pelas moléstias ocasionadas ao prestador ao ficar sem liquidez. Um resultado dessas teorias foi a posta em prática das Navigation Acts a partir de 1651, que deram aos barcos ingleses a exclusiva nas relações entre Grã-Bretanha e as suas colónias, proibindo aos holandeses o acesso a certos portos para restringir a expansão dos Países Baixos.


As consequências em matéria de política interior das teorias mercantilistas estavam muito mais fragmentadas do que os seus aspectos de política comercial. Enquanto Adam Smith dizia que o mercantilismo apelava a controles muito estritos da economia, os mercantilistas não concordavam entre si. Alguns propugnavam a criação de monopólios e outras cartas patentes. Mas outros criticavam o risco de corrupção e de ineficácia de tais sistemas. Muitos mercantilistas também reconheciam que a instauração de quotas e de controlo dos preços propiciava o mercado negro.

Por outro lado, a maior parte dos teóricos mercantilistas estavam de acordo na opressão económica dos operários e agricultores que deviam viver com uma renda perto do nível de sobrevivência, para maximizar a produção. Uma maior renda, tempo de lazer suplementar ou uma melhor educação dessas populações contribuiriam para favorecer a folgança e prejudicariam a economia. Esses pensadores viam uma dupla vantagem no fato de dispor de abundante mão-de-obra: as indústrias desenvolvidas nessa época precisavam de muita mão-de-obra e, ademais, isso reforçava o potencial militar do país. Os salários eram mantidos, portanto, em um baixo nível para incitar a trabalhar. As leis de pobres (Poor Laws) em Inglaterra perseguem os vagamundos e fazem obrigatório o trabalho. O ministro Colbert fará trabalhar as crianças com seis anos nas manufacturas do Estado.

A reflexão sobre a pobreza e o seu papel social na Idade Moderna cobrou importância, sobretudo após a Reforma Protestante e os diferentes papéis que à predestinação e o triunfo pessoal davam a teologia de Lutero, Calvino ou a Contra-reforma. A opinião católica tradicional associava-se ao mantimento do Antigo Regime, sancionando o lazer dos privilegiados e considerando a condenação do trabalho como um castigo divino, enquanto as sociedades onde triunfou o protestantismo pareciam adequar-se mais aos novos valores burgueses. Tradicionalmente os pobres eram vistos como os mais próximos a Deus, e as instituições de caridade não se viam como meios de erradicar a pobreza, senão de paliar os seus efeitos. Porém, entre os católicos também se inclui a obra de Juan Luis Vives De subventione pauperum. Sive de humanis necessitatibus libri II (Os dois livros da subvenção aos pobres ou da necessidade humana. Bruxas, 1525), que trata o problema da mendicidade procurando soluções nas instituições públicas, que devem socorrer os verdadeiros pobres e fazer trabalhar aos que somente são vagos; para isso considerava precisa uma organização da beneficência e uma reforma do sistema sanitário, de asilo. Seguindo as suas ideias foi organizada a actuação contra a pobreza na cidade de Bruxas.

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